Encontros Passionais Com A Actualidade -Ano 2005

Autor: Jazzanova
Título: Jazzanova Remixes 2002-2005
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Há gente que faz da remix, uma forma de vida. Krude & Dorfemeister, são mais conhecidos pela manipulação da matéria de outros, que pelas suas criações, e o mesmo se poderá dizer acerca dos Jazzanova. Agorfa que a hsitória já é conhecida na sua totalidade, para isso consulte-se o álbum "A Tom Moulton Mix" (embora uma viagem aos mestres jamaicanos nunca fique mal), é curioso como se olha para o acto da remistura. Este é sobretudo uma forma de um artista tentar trazer para a sua forma de expressão musical, o trabalho dos outros. E claro, a matéria-prima seleccionada, é quase sempre relacionada com o universo musical do remisturador.
No primeiro álbum de remisturas, os Jazzanova imprimiam um cunho de jazz electrético com a urgência do futuro que se vivia devido ao Século XXI estar à porta; agora ultrapassada a barreira, o estado de alma é mais calmo. A música perdeu um pouco o caracter de aventura, mas ganhou serenidade, sendo esta muito importante pois a abordagem torna-se mais ecléctica. Ouça-se, por exemplo, a remistura de "house" minimal, matém a estrura rítimica no mínimo para segurar o canto com derrames ocasionais de teclados, para "Flashback" dos excelentes Fat Freddy's Drop - em vez da vertigem perto do limite da queda, temos a alma a navegar por um mar calmo com uma onda um pouco mais agreste por vezes -, ou então a sublime versão da canção dos Clexico "Blackheart" onde a parte rítmica é acentuada conjutamente com uma ligeira limpeza de sons desnecessários em relação ao original.
Os Jazzanova, estão mais maduros, e isso reflecte-se no repertório escolhido, tendo-se lembrado que afinal, não é necessário ficar-se agarrado a um conjunto de convicções musicais, antes pode-se deversificar-se a escolha, pois quando se domina a actividade a exercer, não importa a base de trabalho sobre a qual se irão debruçar. No fim da audição, lembramo-nos como os Thivery Corporation eram sublimes no equilíbrio entre a diversificada música para trabalhar, e a imperiosa necessidade de nunca perder o sinal guia de universo de onde vinham.




Autor:Lindstrom & Prins Thomas
Títiulo:Homónimo
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Há muito tempo que a questão existe: a música de forte pendor rítmico, terá de obrigatoriamente provocar a dança? Nem sempre. E os casos sucedem-se na história. O funk no domínio psicadélico de Sly b& The Familiy Stone em “There’s A Riot Going On”, usou apenas uma forma de expressão musical ligada a uma comunidade para retratar uma realidade social. Os reggae “roots”, embebido portanto da cultura Rasta, recorria a um ritmo altamente apelativo, para ser forma de canção de protesto. E para finalizar os exemplos, que dizer do ritmo intricado, tenso - entre um funk cortante e uma proximidade ao reggae mais sincopado – utilizado para a narrativa de horror de “Kalakuta Show”, quando o complexo residencial “Kalakuta Republic” do mítico Fela Kuti, foi vandalizado pela polícia Nigeeriana nos anos 70? Por outro lado, dentro do domínio da síncope, embora mais linearizada, o “disco–sound”, nasceu como consequência musical da comunidade “gay” sobretudo de Nova Iorque, poder exultar a vida como qualquer cidadão. E o “disco” dança-se?
A resposta à pergunta lançada no final do parágrafo anterior, é em princípio afirmativa, mas, poder-se-á encontrar uma breve negação. Reportemo-nos outra à história, para relembrar os deliciosos Deee-Lite, dos dois primeiros álbuns. Aí, o “p-funk”, o “disco”, o “house” o “hip-hop”, todos sem fronteiras definidas nas construção de uma canção, eram motivo de celebrar a alegria da música, não esquecendo a componente de preocupação social, como era o caso do mau uso dos recursos naturais do planeta Terra. Penso agora ter construído alicerces para fundamentar a minha tese em relação a Lindstrom & Prins Thomas. Começam por uma peça que se poderá considerar “disco-sound” vista um pouco à luz da electrónica de dança actual, não esquecendo contudo as lições deixadas pelos míticos Kraftwerk, desviando depois ligeiramente o sentido seguido da trajectória para iniciar um momento lúdico mas quase intimista, ainda em regime “disco” mas com uma aproximação ligeira à matriz do “p-funk”. Contudo a partir da terceira música inicia-se o sonho. Sendo um instrumental, estamos perante um momento onírico de viagem pela interior da alma, como se estivéssemos numa estrado pelo meio de uma floresta, e aí cada elemento da vegetação seria uma célula das nossas memórias. E, já agora, estando no domínio do sonho, onde as viagens são intemporais e físicamente ilimitadas, damos um pulo na nossa nave espacial e as estrelas representam momentos de redenção da nossa vida. Prosseguimos no cosmos, lugar de todas as paixões e invenções impossíveis de realizar num lugar terreno, até começarmos a deixar a reflexão e construímos uma aventura. Mas, um sonho não dura sempre, e temos de acordar, e por que não a sonhar com um mundo tecnologicamente perfeito, onde existe amor entre os homens, e não há horror, ódio e tristezas?
Nem sempre é possível encontrar o idealismo, mas a música de Lindstrom & Prins Thomas, alicerçada em estruturas rítmicas fortes, permite-nos imaginar um mundo idílico: E para terminar, então a música de forte pendor rítmico dança-se? Sim, mas há espaço da criar um lugar intimista, apelando esta ao movimento somente da alma.









Autor: Vários
Título: Acid
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Foi o futuro, ou melhor dizendo, mais uma pista deste . O homem, sempre olhou para a frente, e continua a olhar, mas, às vezes, voltar à raiz das coisas, até pode ser uma forma de dar passos no sentido da vanguarda. Algures, no meio da década de 80, o que parecia ridículo, tornou-se nas mãos de experimentalistas, no início sem rumo marcado, uma estética básica na concepção mas que através dos tempos, foi estrutura suficientemente forte para aguentar a agregação de várias culturas.
De que trata afinal? De baixo e bateria, pois então, associados através de máquinas, para quem não sabia tocar um instrumento clássico, ou não o queria, procurando fazer do minimalismo sonoro, uma fonte de imaginação. Os meios ao dispor foram as máquinas Roland TB-303 (baixo) e Roland TR-808 (bateria), essencialmente. A inspiração, veio do disco-sound, maioritariamente, mas também da “new wave” electrónica inglesa. E quando todos dançavam estes sons em Chicago no clube “Warehouse”, lembraram-se de irem às lojas procurar música da “casa”. Os finos estrategas comerciantes, começaram a colar nas capas dos discos a etiqueta “house”, e assim se iniciava um embrião para mais um estilo da pop. Os historiadores, divergem quanto á importância dos divulgadores, mas há dois nomes concensuais, Frankie Knuckles e Ron Hardy. E depois, os acontecimentos foram-se sucedendo, sempre em busca de uma música onde se gerava essa rara qualidade de simbiose entre o corpo, a alma e o intelecto, de tal forma, que um dia alguém dançando umas faixas rítmicas, à volta das quais poucos mais sons gravitavam, numa discoteca chamada Music Box, ficou tão eufórico chegando a pensar que a água da torneira estava contaminada com ácidos. Nasceram nesse dia as “acid tracks”
Mas afinal o que é o “house”? É, na sua essência, o carregar a traço grosso da linearidade rítmica do “disco”, desprovendo-o acessórios desnecessários para impulsionar a dança, e com o decorrer do tempo, associou-se a outras formas musicais que também detinham essa função, como a “soul” e o “jazz”.
Foi tudo muito rápido e cirúrgico, mas mesmo assim, alguém teve a lucidez de ali descortinar o futuro enunciando-se como “Phuture”.

















Autor: George Clinton (CD Duplo)
Título:How Late Do U Have 2b B4 Ur Absent
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O génio, perde-se com a idade? Será possível conservá-lo eternamente e recuperá-lo quando está perdido? As ocasiões nem sempre propiciam um momento genial e uma boa ideia pode não ser passível de ser repetida. Por exemplo, quando Paul McCarteney juntou a brincadeira dos “tape loops” à vontade e John Lennon de soar como Dalai Lama no topo de uma montanha, surgiu um dos mais fantásticos momentos da história da pop intitulado “Tomorrow Never Nows”, do álbum “Revolver”. Posteriormente, no “White Album”, “Revolution # 9”- também com manipulação fitas magnéticas e a voz de Lennon debitando “#9, #9” - apenas era mais um retalho experimentalista numa manta em degradação. Uma vez os Beattles separados, nenhum por si só foi capaz de construir canções com base experimental ou assentes na clássica arquitectura bela melodia – texto interessante – refrão e ponte, interessantíssimas, apesar da ideia ser válida. No entanto, nos mesmos parâmetros, Lou Reed e John Cale, fizeram discos ao longo dos tempos, que não mantendo permanentemente um nível muito elevado, estão longe de se deitarem no lixo.
Do parágrafo anterior depreende-se não ser a idade do artista e respectiva longevidade no ramo, a definir a capacidade de elaborar um bom disco, e o caso de George Clinton é sintomático. Com 65 anos, editou em 2005, a mesma fórmula do seu “psychadelic funk”, das vertentes Parliement e Funkadelic. Como ele próprio definiu, tudo se resume a “1,2,3,4”, isto é, marca-se o compasso e o movimento perpetua-se, mas o “p-funk”, é também um manifesto de cultura pop de aparente ilusão somente lúdica, onde a banda desenhada se cruza no espaço sideral em busca de um lugar onde as dimensões não são facilmente mensuráveis, por não existirem pontos de referência material tal como na terra. Assim, a banda desenhada no cosmos, é uma camuflagem para um acto de reflexão sobre o estado do mundo e da alma, num intervalo musical de origem “R&B” com possível acentuação da síncope. E até a hoje se mantém esta forma de vida.
“How Late Do U Have 2b B4 Ur Absent”, começa em potente “p-funk”, atravessa o tempo num registo de deslumbramento histórico da música negra: encontra-se a balada “soul” com vozes entre o “gospel” e os arranjos dos tempos do “swing”, os “rythm & blues”, o rap, reggae, deliciosas linhas de guitarra perto do “heavy-metal”, e ainda a capacidade que a música negra tem de se sustentar somente numa tela essencialmente com os desenhos rítmicos, havendo ilhas de guitarras e sopros. Esta viagem, teria de ser feita no cosmos, com um ovni claro, pois só na ficção se concretiza a síntese exposta, onde no fundo, tudo não passa de blues e é no espaço que estes encontram o lugar ideal para a eternidade. Não é por acaso que uma das célebres “Voyager” tem gravado no seu disco de ouro “Dark Is The Night” do mítico Blind Willie Johnson.

Autor: Flanger
Título: Spirituals
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Num projecto que não é a solo, nunca se sabe muito bem qual das partes tem mais peso. Olhe-se para a história da pop, e logo nos lembramos da dupla Lennon\McCartney, que tantas e belas canções deu ao mundo nunca se sabendo exactamente qual a participação exacta de um dos membros na composição. E, para abordarmos exemplos mais actuais, podemos recorrer aos equilíbrios Morrisey\Marr e aos injustamente esquecidos McLennan\Foster dos Go Betweens. Tudo isto por causa do caso hoje abordado, o projecto Flanger de Burnt Friedman e Atom Heart, este último também conhecido por Señor Coccout mas sendo Uwe Shmidt de nome verdadeiro. Olhando para a carreira dos Flanger, só existe um elemento de coerência, o eclectismo. Começaram pelo experimentalismo electrónico, aproximaram-se dos ritmos latino-americanos, embeberam o jazz outra vez de electrónica, e agora aproximam-se da “dixieland”.
Aparentemente, quase se poderia considerar o percurso musical, como dois agentes criadores, onde um destina o caminho – Atom Heart – e outro segue-o na criação – Burnt Friedman. Mas, voltando à questão inicial, não sabemos verdadeiramente quem gere efectivamente o processo criativo, ou se este é partilhado. Uwe Shmidt, tem os seus heterónimos para cada personalidade musical onde navega, contudo, no caso do companheiro, estamos perante um ser multifacetado, que olha para a música como uma arte com possibilidades de ser vista de vários ângulos, e, consequentemente, experimentada. Friedman, só no ano de 2005, edita dois trabalhos opostos: de um lado a trajectória relativamente concêntrica em relação à origem da matéria, a América, sobretudo após o 1º álbum dos Flanger, e na outra face, ressuscita a canção, com quem a manobra exemplarmente, numa das suas formas mais perfeitas dos últimos vinte anos.
Continuamos a não encontrar uma resposta baseada em factos em relação à questão do primeiro parágrafo, mas uma certeza temos, um músico da era moderna e um estudante de arte que escolheu a música como forma de expressão artística, encontraram a via do jazz de Nova Orleães, para dissertarem - usando a harmonia e a melodia - sobre a manipulação do som. E pelo meio, encontraram um espaço lúdico com via para um futuro resultante do passado.
O disco começa com uma evocação às marchas fúnebres de Nova Orleães, para se debruçar, quase em toda a sua extensão, sobre a alegria da dança ao ritmo de “fox-trot”, lembrando que o jazz nasceu como acto de libertação e felicidade, evoca os mestres dos anos 30 e as histórias vividas no quotidiano de festa da “Bourbon Street”, havendo ainda espaço para uma "dedicatória" a Charlie Christian, um grande mentor da guitarra eléctrica.
É um momento de lazer, ouvir “Spirituals”, onde a decomposição sonora, levada quase ao limite do zumbido, nos transporta para um tempo que foi futuro, e ainda pode servir da base de trabalho para quem ama a música no Século XXI. A dupla Flanger, encontrou a cabine telefónica de Dr.Who, e visitou a história. Pena que alguém em quem depositava esperança, Herbert, legítimo herdeiro do compatriota britânico mencionado, tenha preferido o “holo-deck”, onde a virtualidade retira verdade genuína ao momento vivido.









Autor: Andre Orefjard
Título: Refreshment Of Thoughts
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O dia, se calhar, já ia longo. O cansaço abate-se sobre o compositor, impõe-se uma pausa para a reflexão: qual o caminho a escolher? O recorte formal da canção soul revitalizada pelos Soul II Soul, à luz dos acontecimentos dos anos 70 (daí a presença do piano eléctrico Fender Rhodes), reformulados como linguagem de futuro - porque não também lembrar Endemic Void nos anos 90 ? - , ou antes, uma síntese de parte da música negra dos últimos dez anos (o verbo declamado, caminhando ao lado da construção clássica da canção) ? André optou por esta última hipótese.
Refreshment Of Thoughts, é um disco belíssimo, com melodias delicodoces o suficiente sem resvalarem para o banal, e pelo meio, desperta-se para a realidade, através de um rap suavemente presente. Tudo muito bem construído, em superfície de veludo escuro, com pequeníssimas irregularidades agrestres. É um trabalho bonito, que se ouve com prazer, em noite de Inverno, para aquecer a alma desencatada com o mundo. E é sem dúvida uma excelente síntese da música negra, que peca pela horrível versão de “With A Little Help From My Friends” dos Beatles, provavelmente inspirada na esplendorosa transcrição gospel por Kim Weston de “Eleanor Rigby”, presente na colectânea “Soul Gospel” editada pela Soul Jazz.


Autor: Fat Freddys Drop
Titulo: Based On A True Story
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A Aldeia Global, ganhou maior significado com a conquista do espaço, mas poderemos recuar séculos, para a descobrir, se bem que a uma velocidade mais baixa, mas não menos importante. As migrações impostas ou as imigrações existentes, quando o homem se aventurou milhas longe da sua costa natal, implicou intercâmbio natural, mais ou menos forçado.
A descoberta das Américas, e a posterior colonização, levaram ao encontro de culturas, que se foram ligando com intimidade, até gerar outras formas de expressão que passaram a ser matéria- prima virgem. Lê-se, por exemplo na também excelente colectânea “Dirty Laundry”, que uma das causas pelas quais houve nos anos 60 e início dos 70 uma aproximação da “soul” ao “country”, estava ligada ao facto dos colonos vindos da Irlanda , que traziam a sua música celta, sofrendo esta influência dos cânticos dos escravos negros. Mas, a cultura musical portuguesa ou espanhola, disseminada pela a América do Sul, encontrou nos povos migrados e nos nativos, uma fonte de vivacidade geradora do samba, do calypso, ou da rumba. E como os negros tornados escravos, tinham uma forma de expressão com traços comuns, independentemente do local geográfico onde se encontrassem, não admira haver uma proximidade tão grande entre a música do Sertão Brasileiro e o zaydeco de Nova Orleães. Portanto, as novas músicas, não esperaram por meios mais sofisticados de comunicação, para nascerem. Mas deve-se reconhecer a importância que a TSF teve, quando surgiu.
E a partir de agora, a história repete-se. Ouvindo as rádios de Nova Orleães e de Miami, os jamaicanos cultivaram uma nova semente de música de dança, e além de a implementarem no mundo, arrastaram com esta o “vírus” do “sound-system”. O disco, volta assim a tomar forma importante de divulgação musical, como aconteceu também em parte no início do século XX, mas com a possibilidade de ser interpretado como objecto sonoro para posteriores aplicações.
Os Fat Freddys Drop, estando geograficamente longe do mundo ocidental, nem por isso ficaram imunes a duas grandes vagas da música negra: o jazz e o raggae. E é por estas duas vias, que quase em jeito de brincadeira, como quem se inspira na capa de “Yellow Submarine”, que os Neozelandeses nos levam até ao seu mundo “Based On A True Story”.
Este disco constitui o segundo da carreira destes senhores, mas o primeiro de originais. Começa bem, com uma citação explícita Bob Marley, mas logo se segue uma demonstração de conhecimento da música jamaicana, pois faz-se um percurso rítmico pelo ska, flutua-se no mar azul do dub até se encontrar a matriz inicial. Depois, todo o disco percorre um ambiente ecléctico num registo marcado pela concertação do raggae – a fotográfia da captação do som da guitarra baixo com microfone como Sylvan Morris, engenheiro de som do mítico Studio One, é sintomática – e o funk - a secção de sopros é a responsável da coabitação e de servir de elemento de ligação histórico -, nos quais se derrama um fluido electrónico, ora na base de sustentação da orquestração, ora como ornamento de mais valia estética, e ainda serve de âncora rítmica para a canção, criando-se assim espaço para um ligeiro olhar do futuro. Depois, a origem geográfica dos Fat Freddy, cria espaço e tempo, para a filosofia ou a contemplação do amor.
Da Nova Zelândia, para o mundo, numa afirmação de fé aldeia Global.







Autor: Vários
Título:Motown Remixed
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O mundo mudou muito, desde a queda do Muro de Berlim, perderam-se pontos de referência do ingénuo posicionamento do "bem" e do "mal", e James Bond, agora nem sempre tem opurtunidade de combater os seus velhos amigos Soviéticos. O "bem" e o "mal", transmutaram-se, mudaram de terra. Até os EUA, que protegiam a Europa com os seus mísseis, poderão ser olhados como um antro de gente facciosa que perdeu a noção dos valores. Mas, apesar de tudo, há indiscutívelmente uma nova Ordem Mundial, nem sempre "fora da ordem" - como cantava Caetano Veloso -, nem que para isso, seja necessário proceder a um "lifting" cosmético, consagrando no entanto a origem da raíz.
A colectânea "Motown Remixed", traz-nos exactamente essa regeneração de valores, algures perdidos no tempo, mas com riqueza embebida da necessária tolerância para ainda poder ser actulizada à luz da estética actual. Pegar num clássico do Jackson Five, mantendo-lhe a arquitectura onde foi alicerçado e conferir-lhe leves reforços rítimicos e umas pinceladas de "scratching" dando-nos uma sensação de uma boa canção soul hoje feita fora das normas FM, é louvável, olhar para uma estrutura rítmica por si só pré-esforçada de síncope esticando-a com novas e fortes vigas rítmicas sem lhe retirar o pendor dançável, exige uma boa atitude de sensibilidade de cáculo, e que dizer quando um hino psicadélico "Papa Was A Rolling Stone" é transformado numa canção "cool" para ser ouvida em bar de boa conversa com um refrescante laranja-vodka, mantendo-lhe o encanto? "Motwon Remixed", é um sublime acto de coragem, cheio de nervo, onde além de sermos levados a conhecer a música clássica da pop do Século XX, descobrimos agora melhor o significado que Jazzie B. pretendia com os Soul II Soul.
E claro, quem tem charme nunca o perde. James Bond, até poderá ser um "dinossauro da guerra- fria, sexista misógeno", mas nunca perde o encanto quando explica bem ao "barman" que pretende um vodka-martini, "shaken, not stirred". Assim acontece com este disco, como aliás se deveria depreender logo da capa.

Autor: Ernesto
Título: New Blues
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A electrónica, por si só, nunca conferiu um estatuto de futuro se a base musical à qual se associaria, não tivesse o mínimo do interesse. Mas, depois da sua generalização no campo da pop, torna-se ainda mais difícil reconstruir o futuro. Os Massive Attack, por exemplo, pegaram em abrangentes “Blue Lines”, retiraram-lhes amostras e iniciaram mais uma via para a canção, os United Future Organization encontraram meio de conferir um estilo dançável ao “hard-bop” e ressuscitaram a “bossa-nova” tornando-a música de actualidade outra vez, e os Thievery Corportion sintetizaram a tradição dos “sound-systems” jamaicanos inserindo-os num contexto cénico onde a expansão é possível – afinal o cosmos é o lugar por excelência para o sonho. Os exemplo indicados, materializaram-se através dos meios electrónicos, que foram contudo, somente o meio para atingir o fim.
Mas a música electrónica, surgiu, quando o transistor ainda nem sequer era totalmente sonhado, chamavam-lhe electroacústica, e os Beattles viram nela a possibilidade da concretização de um sonho experimental. Agora, já não é necessário ter fitas magnéticas que percorram o estúdio, para manter um “loop” estável, sobre o qual se constroi uma música, como aconteceu com Herbie Hancock, basta um “laptop” com “pro-tools” e fazer “copy&paste”, e o “sacratching” também não implica um DJ treinado. Quase tudo é possível, à excepção da criação sintética da criatividade. Ernesto, vulgo Jonatan Bäckelie sueco de nascença radicado em Birmingham, resolveu lembrar-se que a pop, veio do rock, por sua vez com código genético dos “blues”, e assim partiu em busca da tradição. Talvez não tenha sido necessário sentir-se tentado pelo diabo num cruzamento da mítica “highway 61”, mas antes num encontro de informação na internet. Resistiu à tentação e seguiu rumo à tradição. “New Blues”, é disso que se trata, verdadeiramente; e poderia ter sido o caminho dos Massive Attack, não tivessem eles querido seguir a rota segura do apuro estéctico, antes de se perderem.

Autor: Vários – Massive Classics Volume 1
Década: Anos 70 e 80
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Se algum dia oferecesse um disco a um político da nossa praça, que passa o tempo a queixar-se das colocarem citações suas na imprensa fora do contexto, dar-lhe-ia “Blue Lines” dos Massive Attack, e aconselha-lo-ia a comprar “Massive Classics, Volume 1”. Talvez então o nosso homem da política, percebesse que frases suas fora do contexto, poderão ganhar riqueza não presente na sua totalidade na forma original. Ainda bem, que chegou ao mercado esta colectânea. Permite-nos não só descobrir como de matéria prima usada, após reciclagem, se pode construir uma nova e bela realidade, além do prazer inquívoco da descoberta de onde partiram as ideias. Pode tudo não passar de uma estratégia de marketing, quando não há tempo para criar, ou até as ideias boas se esgotaram, mas depois de ouvirmos “Massive Classics”, voltamos compulsivamente a “Blue Lines”, e ouvi-lo-emos num estado de renovada e incontida alegria. E há ainda outra conclusão: afinal, também era rock...