Encontros Emocionais Com a Actualidade 2009


Mirror - I'm Noy A Gun






No célebre “White Álbum” dos Beatles, havia uma canção intitulada “Hapiness Is A Warm Gun”. É sem dúvida um título contundente; exprime um aforismo de felicidade, logo agora que só somos felizes sendo tristes, mas sem causa, porque afinal aquelas canções saídas do pós-punk, como as dos redescobertos Joy Division – lembram-se das lágrimas de alegria triste de “Love Will Tear Us Apart” ou a bela depressão de “Heart And Soul” ? – tinham uma razão ligada às cidades decadentes de Inglaterra contra a actual neo-depressão intelectual artificial para quem procura ser diferente e julga que pegando numa guitarra, escrever uma melodia, calminha, certinha, bonitinha, à qual se juntam umas gotinhas de instrumentos eléctronicos, e pronto aí se tem a grande receita do momento: folktrónica. Também há a variante neo-folk-beat, à qual se junta ruído de fundo para parecer “vintage” (como quem pinta uma garrafa de vinho novo de branco salpicado), esquecendo os gloriosos tempos do folk-rock (onde tenho a particular paixão de Faiport Convention com a voz de Sandy Danny). Claro que ainda vão havendo casos de genuína honestidade criativa, como Animal Collective ou Juana Molina.
“Hapiness Is A Warm Gun”, é então um título agressivo, cuja realidade que pretende representar escasseia, simplesmente porque sendo-se feliz, perde-se a leveza de ser levemente intelectual, e receando cair na normalidade da má música comercial, encontra-se umas “bandas” (nem que sejam dois rapazes arranhando uma cordas) cuja música é absolutamente …normal! Chamar-se-á a isso pop? Antes popinho, pois nem quando os Scritti Politti resolveram corruir o “sistema” procurando vender muitos discos em “Songs To Remember” se livraram do espectro deliciosamente depressivo, como a canção agri-doce “The Sweetest Girl”, e de canções invulgares, as quais, essas sim, são Pop. Ser feliz, conscientemente alegre ou triste, é então um acto de coragem para os tempos de hoje. Daí talvez o último dos Whitest Boy Alive (“Rules”), fora do acto considerado “diferente”, não venha a ser considerado um disco para quem o quer ser.
Mas quem procure esquecer todas as considerações tecidas, e ser simplesmente feliz através do sonho, o duo Mirror isso representa, fazendo música para sonharmos. Voltamos aos tempos em que a pop não traduzia somente “short stories” ou a adrenalina da aventura à beira do abismo, mas também permitia o devaneio do ouvinte sugestionável pelo título da música, ou deixando a liberdade de escolha ao ouvinte. A alegria, vem do sonho, e da conjugação da melodia e do modo como ela está rodeada instrumentalmente. O pós-rock, que no fundo era uma revitalização do próprio rock livre de “clichés”, foi o libertador da imaginação, através dos primeiros álbuns dos Tortoise, Him ou UI. John Tejada e Takeshi Nishimoto, projectam-nos num espaço quase adimensional, fazendo lembrar o álbum homónimo dos já citados Tortoise e “Obey The Time” dos The Durutti Column. “I’m Not A Gun” é a forma simples de expressar a felicidade.