Encontros Emocionais Com Actualidade - 2008







Autor: Fujiya & Miyagi


Título: Lightbulbs


Nos tempos que correm, será que é ainda possível ter ideias luminosas, depois de no campo da pop depois de tudo ter sido inventado? A canção já passou da sua forma popular vinda da tradição dos jograis, passando pela rua, pelo teatro, pela divulgação mundial com a rádio, a imprensa a indústria e agora a “Internet”, até se tornar num produto analítico de qualidade estética e melódica duvidosas, mas no mínimo com uma harmonia, mais do que nunca, cientificamente estudada para agradar às massas – só assim se justifica que a rádios mantenham uma “playlist” que se repete 8 vezes ao dia sem cansaço da maioria quem as houve. Por outro lado, em pleno início do Século XX, experimentar não é condição implícita de futuro. Então qual o caminho a seguir hoje, para produzir uma obra honesta? O do sincretismo ou o da reabilitação da estética vinda do passado. As fronteiras diluíram-se: já quase não se faz folk sem que um farrapo de electrónica esteja presente; esta por seu lado, vive dias difíceis pois funciona muitas vezes em regime de automatismos decalcados, então pode-se recuperar a história deitando alguma luz que permita, além da releitura dos factos, uma frescura de quem está a descobrir o mundo. Os Lions, recuperam o raggae, fundem-no com o funk e a melancolia do jazz do Etíope Mulatu Astatke. Os múltiplos projectos do grupo ligado aos Quantic Soul Orchestra, depois de reavivarem o funk suculento, resolveram agora navegar entre a América Latina e as Caraíbas, e os Fujiya & Myiagi, ressuscitaram a máquina rítmica dos Neu! com intromissões dos Wire. Ideia luminosa? Talvez, mas eles decidiram antes seguir o caminho de uma desconcertante honestidade, expondo as suas influências sem subterfúgios intitulando o álbum de “Transparent Things”. E para o capítulo seguinte, então sim, com a consciência e segurança de um trabalho bem feito, e seguindo a linha de absorver referências para delas tentar reconstruir um quadro novo, surgiu a luz. Que nos oferece “Lightbulbs”? Sobre uma matriz nunca muito distante da força moptriz erguida pelos Neu! ou Can, continuam a não esquecer-se dos Wire (na sua segunda vida), recuperaram a balada de razão romântica dos Faust, têm laivos de tons lúdicos, reconstroem uma pintura primitiva de hip-hop para recrearem com esta uma canção, sustentam a canção com os pilares mínimos como nos blues, e tudo isto com uma secura harmónica inspirada em James Brown. Não se trata de uma passo definitivo rumo ao futuro, mas de um vector inclinado de quem vivendo num mundo difícil procura ainda a felicidade da criatividade fundada na história, mas nunca deixando de olhar em frente.






















Artistas:


AIFF-Afro Soulsystem

Osaka Monaurail-REality For The People

Hot 8 Brass Band-Rock It With The Hor 8

Orgone-The Killion Floor


Dir-se-ia que na história não é nova, até porque trata-se acima de tudo da revitalização de uma linguagem ancestral, que retoma os mesmos contornos para quem procura um ponto-de-fuga para uma novas perspectivas da pop. O futuro, tal como sonhámos nos anos 90, não está presente, mas há uma sensação de que se não se deu um passo em frente, também não foi um desvio, nem houve propriamente uma estagnação, antes um movimento de um corpo musical que atravessa continentes, e quase com 100 anos de história, e até já foi sujeito a várias transmutações genéticas, e no entanto, a inércia da enorme massa histórica do qual é constituído, possui uma leveza enorme, e à mínima introdução de energia, reage com um movimento de leveza, deslocando-se em frente, nem que seja por breves milímetros.

Assim se antes haviam mitos de espíritos musicais quase reservados e determinados grupos étnicos ou até de um certo país, com as migrações de culturas, pessoas e até informação, já nada tem um ponto geográfico certo de existência, sabemos apenas da sua existência no mundo. Há antes um lugar estético a unir pessoas militantes da mesma paixão. O “krautrock” à luz dos Can e Neu!, foi revisto na Alemanha, ou antes na Escócia com uma camuflagem japonesa? O “r’n’b” de Chicago, ainda terá lugar no Século XXI? O “funk” de árvores assentes em Detroit e raízes a espalharem-se de forma imperceptível pelos Estados Unidos, não poderá ter perdido folhas pelo mundo, e partir daí novas plantas nascerem em Inglaterra, em Espanha, ou até no Japão? Será possível a um país sujeito a abalos sísmicos, sobreviver a réplicas intensas, precisas, concisas mas fortes o suficiente para expressarem um corpo em simbiose com a alma? E aquela música cujas origens remontam a uma Praça de Nova Orleães, retornando a África para gerar essa potência rítmica enorme à qual os músculos do corpo e alma não conseguem ficar indiferentes, explodindo de alegria mesmo quando a mensagem é satírica e expressão de dor, só existirá em na Nigéria ou no Ghana?

As respostas às perguntas são de que agora é possível definir à luz da história, a localização da raiz mas não da produção. O afro-funk de matriz Fela Kuti, pode ser encontrado na Holanda. Os AIFF centram a sua actividade rítmica na Nigéria, mas a sua espiritualidade no encontro da Jamaica com a terra prometida, África, ao intitularem o seu álbum Afro Soul System. Osaka Monaurail, reclamando o mito da perfeição tecnológica japonesa, fizeram um “sacanning” ao funk tenso e minimal de James Brown, mas adicionaram-lhe a paixão de quem gosta de filmes “blaxpoitation” e, sobretudo, foi capaz de traduzir o sonho de um dia ter assistido a uma sessão de gravação de James Brown ficando extasiado com o delírio vivido por músicos de excepção. Os Hot 8 Brass Band, tentaram de uma forma simples construírem com a música, uma máquina do tempo, levando-nos para Jackson Square em Nova Orlães, onde os negros viviam uma intrínseca alegria rítmica. Finalmente, de LA, os Orgone sintetizam a música até aqui explorada: o tambor de África, o desejo de expressão de liberdade através do ritmo – que afinal “this nor a fashion this is not a trend”-, a fusão jamaicana que resultou no raggae, e a raiz do ritmo plantada no imenso quintal do continente Norte-Americano, onde cresceu em Detroit, Chicago, Memphis, S.Francisco ou Filadélfia e cuja rega espalhou-se para as Caraíbas, e depois para o mundo, fazendo crescer as plantas da alma, por aí.

Diz-se que o bater de uma asa de uma borboleta em Pequim, pode provocar um terramoto na Bolsa de Nova Iorque, mas uma semente transportada nos Séculos da escravatura originou uma música, hoje traduzida à escala global, e que deveria ser intitulada, sim de World Music. Para bem da paixão.